No meio de uma conversa sobre o actual estado das coisas, um amigo, menos afeito a partidos e a doutrinas, procurava alertar-me para a necessidade de “descer à terra”. Dizia que devia deixar-me de lirismos. Segundo ele, “são eles sempre que governam”. Por isso, para fazer a diferença, havia que optar sempre entre os que “realmente decidiam”. Os que “alternavam no poder” e dispunham de “amplas bases de recrutamento”.
Enquanto procurava demonstrar-lhe a estreiteza de sistema democrático que teríamos se todos pensassem assim, recordei-me de uma das frases que mais me chocaram do cele(b)rado “contributo cívico” do Prof. Freitas do Amaral: “Para quem saiba e queira pensar em termos nacionais, o voto só pode ser, portanto, no PS ou no PSD”. Esta frase, vinda, sobretudo, de quem liderou um partido com a natureza do CDS, soa a capitulação e a autocrítica. Dizer que o resto é mais ou menos decorativo, mais ou menos irrelevante, equivale a abdicar daquilo que deve (ou deveria) ser o motor do combate político: a discussão de ideias e soluções e a vontade de chegar à governação para as poder pôr em prática. É particularmente significativo que alguém que, apesar de fazer parte de um partido minoritário, assumiu cargos de relevo em governos de coligação - que lhe permitiram tomar medidas e definir linhas que, de outra forma, não passariam do papel - reaja agora contra a própria essência da sua existência política. O que teria sido do país se Freitas do Amaral tivesse pensado sempre assim? Onde teria ficado a defesa do humanismo e do personalismo, da democracia de matriz ocidental e não socialista, se os homens e mulheres que fizeram o CDS se tivessem resignado aos ditames politicamente correctos do PRECtugal de então? Deveriam ter desistido? Aderido todos ao PS e ao PPD? Ou, simplesmente, abdicado de ter acção política pública? Não terá valido a pena?
Dir-se-á que isso era dantes. Que os dias eram outros. Mas essa ideia mítica do alvor da democracia - acalentada pelos egrégios cultores da expressão “no nosso tempo é que era” - contribui precisamente para amesquinhar o tempo presente e demonstrar como é frágil a argumentação (dita) pragmática, cristalizando a “era dos valores” e da afirmação das diferenças num passado remoto que deve ceder lugar à crueza das opções imediatas e inadiáveis. Afirmar que se salva Portugal abdicando das ideias e dos programas próprios, que se opta por escolher entre males menores, é sinal de pouca ambição. Que cultura democrática pretendemos incutir naqueles que assistem incrédulos à degradação do ambiente político, se lhes dissermos que a nossa democracia se resume a uma escolha periódica entre o tons laranja e rosa? Que o resto não vale, não conta, nem interessa?
O que a mim me espanta é que a defesa acrisolada da alternância descure o facto de ter sido ela a contribuir de forma absolutamente decisiva para a estagnação e para a entropia. Foi ao centro, mercê do alegado pragmatismo, que confluíram as forças que mais contribuíram para que o Estado tivesse chegado a este estado.
Rotativismo? Não, obrigado. Nem obrigado. [João Vacas] |